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"Você sabe o que eu quero dizer, não tá escrito nos outdoors. Por mais que a gente grite, o silêncio é sempre maior" (Engenheiros do Hawaii)

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Epidermia policromática ou "só entregar-se a esse planeta de cores"

Capa e verso de "Cores sob nossas peles", de Noé Filho


A fenomenologia nos diz que a vida do outro só o outro pode experienciar. Daí a alteridade freireana: o exercício de compreensão, de buscar se irmanar com as experiências do outro. Essa chave pode ajudar à leitura de Cores sob nossas peles (2019), de Noé Filho.

Com uma simplicidade admirável, o autor chama  essa forma fraterna de nos aproximarmos das experiências das outras de "empatia", no conto "Empatia é poder", por exemplo mas não necessariamente. Desde o início, ele faz quem passou se identificar, e quem não ele convida a compreender o lugar da outra pessoa.

O início com poema de Mário Faustino marca a grandiosidade a que se pretende a obra. Mário Faustino configura-se uma por uma grandiosidade poética e ser-no-mundo cujo valor veio a ser reconhecido tempos depois. O que aprendeu alemão com professor de inglês; que escreveu também no Pará; que anteviu a própria morte em voo estratosférico. Uma figura marcante.

A forma prosopopo(é)t(ica) da escrita de Noé conduz a pessoa leitora pelos fios de narrativas singelas, fortes quando sensíveis. Ao mesmo tempo, traz grandes máximas, axiomas sobre o ser. Num dos contos, ele traz uma passagem de grande beleza, inspiradora mesmo: "Percebi que esse é o maior objetivo. Quando o artista sente. Quando alguém se emociona". A frase materializa a maior de minhas inspirações ao produzir arte e cultura e, creio, de muitas de nós que produzimos cultura.

Cores sob nossas peles também me permitiu lembrar do maravilhoso e mais recente "Eu Ainda Te Amo" (Gabriel Martins, Editora Triquetra), pela importante representatividade de minorias LGBTQIA+ na literatura nacional e, podemos dizer, global.

O livro é um mani(a)(fe)s (to) de acolhimento a cada LGBTQIA+ que se sentiu em desamparo, em amores realizados ou não, em aceitação. Enfim, para cada LGBTQIA+ que tem orgulho de ser e de existir.  Parabéns!

Como adquirir: pelo direct do Instagram @noerhfilho, lembrando que o preço é social, você paga o quanto puder. 





sexta-feira, 23 de julho de 2021

Era uma vez um falso francês

 

Capa de O Falso Francês, de Ítalo Damasceno


Quem é o autor? Onde cabe o leitor? Podemos ir pra onde for? Pelo menos duas dessas três perguntas povoaram minha leitura de O Falso Francês (PI/Brasil/Mundo, 2020), do escritor piauiense Ítalo Damasceno. 

O livro narra a história de João Manuel, um quase-ninguém-josé morador de São Félix do Alto, em 1849. Dá na telha dele, certo dia, de escrever para folhetins, ou melhor, de traduzir folhetins do francês para o português. João tem o entendimento de que não iriam publicar uma trama assinada por ele, então passa a ser o legítimo tradutor alto-morro-felicense de Patrice du Jardin, escritor francês. A obra? L'Embarquement pour Cythère, a ser publicada no A Brisa da Tarde, periódico do velho e sagaz seu Tista.

A escrita envolvente, fluida e cativante (de João e de Ítalo, ambos de penas profícuas), fazem com que o autor seja um sucesso na cidade, atraindo a atenção de uma moça, Edith das Almas, que logo vai atrás do patrão de Manuel  para saber quem é Campos Belos, pseudônimo do "tradutor" de Patrice du Jardin.

Se foi spoiler, não sei, mas paro por aqui com a descrição da obra, e entro na resenha. 

Ítalo esteve em uma live no Instagram do coletivo de mídia contra-hegemônica Ocorre Diário, em que também falou de sua trajetória, do sucesso de O Falso Francês (1° lugar na lista de ficção histórica, ação e aventura na Amazon em 2020). Também pudera: o conto conduz em linguagem simples e direta a história do Falso Francês João Manuel. 

Tive a grata satisfação de ser (a)presenteado à obra há pouco mais de um mês, através do conterrâneo de Ítalo (e meu amigo de longa data), Wilton Lopes (gratidão 🙏🏿). 

Respondo à primeira pergunta sobre de quem é a autoria lembrando de um filme que vi numa noite perdida de insônia.

No filme "Incógnito" (1997) temos um falsário requintado que reproduz fielmente obras de arte consagradas, e as revende por altos preços. O protagonista de O Falso Francês, João Manuel, se aproxima disso de uma forma bem diferente: com a esperteza forjada no aperreio da rotina da classe trabalhadora, ele tem respostas e cocriações de histórias tão logo é interpelado sobre elas. Faz os percursos que nos são tão comuns enquanto povo latinoamericano, de encontrar saídas diante das problemáticas cotidianas, de ressignificação de correrias para abrigarem nossos sonhos e vivências.

Já no livro Budapeste (2003), de Chico Buarque, o "escritor-fantasma" José Costa vira Zsózé Kósta graças a uma viagem à Hungria, enquanto escreve um livro autobiográfico de um tal Kaspar Krabbe, que o atormenta. João Manuel também tem seus fantasmas.

A série francesa Lupin (2020-), da Netflix, retrata um personagem dito fora da ordem que sempre escapa das armadilhas montadas por seus inimigos. Assim também João Manuel vai se constituindo com as suas histórias inventadas para envolver as pessoas a publicar a tradução que ele transcria.

Caberia que o leitor interviesse na história? Sim. Do livro e do conto. O Falso Francês traz elementos que poderiam muito bem ser adaptados como uma peça de teatro (pessoas atrizes, roteiristas e diretoras de teatro, corram aqui e confiram essa obra, para adaptá-la!). Podemos ir pra onde for? Sim, dessa vez graças ao Falso Francês. Boa leitura!

Pra adquirir:  chama o autor no probleminha do Instagram @biitalo 😉.

E tem a acessível versão em audiobook pela @atocadoslivros.

Sem contar o e-book

Inclusive ele também lançou O Segredo de Amarilis Antúrio recentemente. Mas isso é outra história.